segunda-feira, 22 de março de 2010

Experiência Acidental

Parte 1
Ive, cientista, analisa a experiência #08003-HS:

"A marca da Raça C é a inconstância. A sociedade destes seres organiza-se em volta do macho. Outros traços psicológicos e sociais desses animais: disputa territorial; formação de mini-grupos baseados na ligação sanguínea (famílias) mesmo dentro da sociedade; exacerbada passionalidade violenta. São seres extremamente hostis, mesmo entre membros da mesma espécie - mas principalmente com diferentes raças.
Alguns traços físicos são: pêlos por quase todo corpo, de colorações diversas (variando do preto até o amarelo claro); bípedes; mamíferos, característica dividida com nós.
Existem inúmeras semelhanças compartilhadas conosco, mais do que supomos anteriormente."

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Parte 2
Medelín, repórter, discorre sobe a experiência #08003-HS:
"As experiências com a mutação têm se mostrado de uma profundidade antes subestimada. O impacto nestes seres demonstrou o determinante papel da glândula Castitária na configuração individual da nossa raça e, por consequência, na estrutura da sociedade.
O Grande Desastre, no século retrasado, deu-nos matéria-prima de inestimável valor. O vazamento da Usina de energia Bosoniana causou uma mutação rara que inibiu o gen responsável pela diferenciação e criação das células da glândula Castitária. A Neogen S/A viu o valor científico (possivelmente até comercial) do acontecimento e deu início em um investimento de compra dos Mutantes C (como genericamente foram chamados os novos seres). O próximo passo seria isolar a raça num ambiente hostil e observar sua evolução. Tal manobra enfrentou uma breve e débil resistência de movimentos éticos, tanto científicos como civis. A tentativa de impedir a experiência, no entanto, falhou. A ética já é um passado um tanto quanto longínquo em nossa realidade multifacetada; seres como nós, apenas vítimas de uma mutação, lançados numa experiência - ainda que cientificamente rica - perigosa."

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Parte 3
Rogér, geneticista, analisa a experiência #08003-HS:

"A glândula Castitária desempenha papel determinante nos aspectos fisiológicos e psicológicos do indivíduo. Ela é responsável pelo sentimento que, no início de nossa civilização, fora denominada Reginásalus - sendo este termo a concomitância de duas antigas sensações: felicidade e satisfação. A ausência da glândula causou na Raça C uma extrema confusão e confronto entre a felicidade e satisfação, fato predeterminante na diferença notada entre a evolução dos mutantes e a nossa própria história evolutiva. O recinto no qual inserimos as criaturas mostrou-se ambivalente; hostil, mas, ao mesmo tempo, provedor das sementes que serviram à fecunda criatividade (fortemente instigada pela insatisfação decorrente da falta da glândula e hormônios Castitários) da Raça C em usar matéria bruta para criar mecanismos e instrumentos auxiliadores da sua sobrevivência. Inegável também é a beleza desse pequeno, maravilhoso e" - Rogér olha pelo telescópio, já apontado para o planeta da Raça C - "azul planeta dos, auto-denominados, Homo Sapiens."
Rogér aperta o holograma, desligando o projetor de suas anotações, caminha até a janela, encosta-a, deixando-na semi-cerrada; onde, ao fundo, faz-se perceptível a luz viva e fulgurante do planeta aquífero.