quinta-feira, 17 de março de 2011

O motivo de ser das políticas sociais

"Se o Estado assistencial hoje vê seus recursos minguarem, cair aos pedaços ou é
desmantelado de forma deliberada, é porque as fontes de lucro do capitalismo se
deslocaram ou foram deslocadas da exploração da mão de obra operária para a
exploração dos consumidores. E também porque os pobres, despojados dos recursos
necessários para responder às seduções dos mercados de consumo, precisam de
dinheiro - não dos tipos de serviço oferecidos pelo Estado assistencial - para
se tornarem úteis segundo a concepção capitalista de 'utilidade'."¹

Dessa forma, Bauman analisa com perspicácia a ligação entre o sistema político e o sistema econômico. Um Estado assistencial, aquele que tem por objetivo promover a saúde mental e física (convenientemente, mais da física do que da mental) de seus cidadãos, só faz sentido se o mercado necessita dessa "reserva" populacional; em fábricas e indústrias. Não coincidentemente, segundo Bauman, estes dois períodos históricos coincidiram: os períodos históricos de grande demanda fabril, foram os quais a existência do welfare state fez mais sentido; claro que - se me permitem usar um pouco do estilo do Bauman - segundo a concepção capitalista de "sentido".
Partindo desse princípio simbiótico, é cristalina a tendência do mercado de prestar apoio às corporações, bancos e afins. A crise de financeira de crédito nos Estados Unidos foi a prova de que o Estado não nega esforços para recuperar do desastre financeiro as empresas que, em primeiro lugar, subsidiaram os motivos da quebra. É no mínimo irônico as empresas pregadoras e maiores beneficiadas do ideal neoliberal de mercado precisarem de ajuda estatal, os famosos "pacotes econômicos", para sobreviverem; como crianças ou adolescentes, que amaldiçoam a ajuda paternal, mas ao sinal de um grande problema volta correndo para os braços cuidadosos de seus pais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1 BAUMAN, Zygmunt. Vida a crédito: conversas com Citlali Rovirosa-Madrazo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 201. p. 39.

quarta-feira, 9 de março de 2011

O abandono do "Público" e a procura por Segurança Individual

Dentre os efeitos derivados da nova organização da sociedade, destaca-se o medo e a ansiedade; ambos catalisados pela competição da economia neoliberal, necessidade de flexibilidade e pela velocidade das mudanças em todos os âmbitos da vida social.

O novo peso do medo nebuloso tende “(...) a se descarregar sobre aquela categoria de ‘forasteiros’ escolhida para encarnar a ‘estrangeiridade’, a não-familiaridade (...)”¹. O medo tem, portanto, ligação íntima com o ódio.

Os reflexos acabaram também por ser institucionalizados. Em seu estudo sobre o aumento da demanda punitiva nos Estados Unidos, o sociólogo Loïc Wacquant indica o novo foco na responsabilidade individual como uma “(...) uma retórica viril da lealdade e da responsabilidade pessoais, feita sob medida para desviar a atenção da retirada do Estado das frentes econômica, urbana, escolar e da saúde pública.”². O professor chama também esse estado de “(...) neo-darwinista, que se baseia na competição, celebra a responsabilidade individual irrestrita e tem como contrapartida a irresponsabilidade coletiva e, portanto, política”³. Essa “responsabilidade individual irrestrita” é o argumento chave para a punição individual, levando-nos longe, entretanto, de abordar aspectos fundamentais para a criminalidade e, mais importante, propor soluções reais.

O Estado, ao retirar-se de frentes importantes para desenvolver segurança pública, delegou esta responsabilidade para os indivíduos, de forma que “(...) passa a ser tarefa do indivíduo procurar, encontrar e praticar soluções individuais para problemas socialmente produzidos (...)” ainda que “(...) estando munido de ferramentas e recursos flagrantemente inadequados para essa tarefa.”4.

De forma clara, na ausência de proteção ampla á sociedade, os indivíduos viram-se forçados a, pelo menos, procurarem segurança de forma individual. Querendo proteger-se de um ambiente tão miscigenado, o sujeito procurou ambientes mais uniformes, perto de seus semelhantes. Em contra partida, “(...) quanto mais tempo se permanece num ambiente uniforme (...) mais é provável que se ‘desaprenda a arte de negociar significados e um modus convivendi.”5.

As cidades modernas são provas vivas desta necessidade de segurança individual. O problema nessa estratégia, segundo Bauman, reside em que:

“(...) cada fechadura suplementar na porta de entrada, em resposta aos insistentes alertas sobre desenfreados criminosos de aspecto estrangeiro (...) induz ações defensivas posteriores que (...) terão inevitavelmente o mesmo efeito. Nossos medos são capazes de se manter e se reforçar sozinhos. Já têm vida própria.”6.

Para a quebra desse ciclo vicioso, é urgente a retomada dos espaços públicos, pois são estes “(...) locais onde se descobrem, se aprendem e sobretudo se praticam os costumes e as maneiras de uma vida urbana satisfatória (...)”7. Logo, os “(...)espaços públicos que, reconhecendo o valor criativo das diversidades e sua capacidade de tornar a vida mais intensa, encorajam as diferenças a empenhar-se num diálogo significativo.”8

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1 BAUMAN, Zygmunt. 2009, p. 37.

2 WACQUANT, Loïc. 2003, p. 35.

3 WACQUANT, Loïc. 2003, p. 31.

4 BAUMAN, Zygmunt. 2007, p. 20.

5 BAUMAN, Zygmunt. 2009, p. 46.

6 BAUMAN, Zygmunt. 2009, p. 54.

7 BAUMAN, Zygmunt. 2009, p. 70.

8 BAUMAN, Zygmunt. 2009, p. 71.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.

WACQUANT, Loïc.Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos [A onda punitiva]. Rio de Janeiro: Revan, 2003, 3ª edição.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Tranalho na Nova Economia

O novo século, portanto, trás consigo um relativamente novo paradigma, notado no final da Segunda Grande Guerra, sendo este um “(...) capitalismo mais agressivo, disposto a forçar mudanças globais, e líderes políticos que não vêem alternativa a não ser permitir que o processo continue. (...)”¹. Paralelamente, a ideologia econômica predominante prega o afastamento do Estado do Mercado, enfraquecendo a já combalida presença estatal neste segmento da cultura humana.

Bauman já notava que “(...) a fragmentação política e a globalização econômica são aliados íntimos e conspiradores afinados.”²; uma política visando a diminuição governamental no campo econômico será tão bem sucedida quanto as forças políticas territoriais permanecerem frágeis.

Não podemos deixar de apreciar, entretanto, os objetos ativos sem os quais discutir flexibilidade econômica e competitividade seria impossível e sem sentido: nós, seres humanos; propulsores e destinatários do capitalismo e Estado modernos. Quão afetados somos por esta inexorável coexistência?

Em primeiro lugar, a competitividade, tão necessária para o plano neoliberal, implica, acima de tudo, em uma disputa entre pessoas. Dá-se um passo importante em termos individualistas, já que “quando a solidariedade é substituída pela competição, os indivíduos se sentem abandonados a si mesmos, entregues a seus próprios recursos (...)”³. Essa forma de trabalho incentiva cisões no corpo trabalhista da atualidade, repercutindo inclusive na perda do poder e voz sindical.

Outro fator importante da nova organização do trabalho é a flexibilidade. Sennet diz que o principal motivo dessa busca pelo flexível é reflexo da “(...) volatilidade da demanda do consumidor. (...)”4. O espírito consumista posa como o principal motivo da postura flexível do trabalho, a fim de reinventar, refazer e reformular seu funcionamento. Tais condutas criam o tácito lema “não há mais longo prazo”, que, por sua vez, “(...) desorienta a ação a longo prazo, afrouxa os laços de confiança e compromisso e divorcia a vontade do comportamento.”5

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1 GIDDENS, Anthony; HUTTON, Will., 2004, p. 15.

2 BAUMAN, Zygmunt. 1999, p.77.

3 BAUMAN, Zygmunt. 2009, p. 21.

4 SENNETT, Richard. 2008, p. 59.

5 SENNETT, Richard. 2008, p. 33.


REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS:

BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.

GIDDENS, Anthony; HUTTON, Will. Uma conversa. In: GIDDENS, Anthony; HUTTON, Will. No limite da racionalidade: convivendo com o capitalismo global. Rio de Janeiro: Record, 2004.

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: as conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2008.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Individualismo, consumismo e utilitarismo: três conceitos importantes da atualiadde

A análise dessa transição e do começo deste novo século perpassa estes três termos: individualismo, consumismo e utilitarismo.

O novo individualismo, além das características clássicas do cultivo ao “eu” e as liberdades individuais, mostra, nos indivíduos, um “(...) afastamento da tradição e do costume de nossas vidas (...)” e problemas para aceitar “(...) a legislação sobre questões de estilos de vida por formas tradicionais de autoridade (...)”¹.

Ao falarmos do consumismo, temos de diferenciá-lo do mero consumo. Segundo Bauman, “(...) de maneira distinta do consumo, que é basicamente uma característica e uma ocupação dos seres humanos como indivíduos, o consumismo é um atributo da sociedade (...)”². Enquanto o consumo é uma característica natural dos seres humanos (somos consumidores naturalmente devido ao fato de consumirmos o ar para respirar, ou consumirmos os alimentos para nutrir-nos, por exemplo), o consumismo é uma característica socialmente criada de forma que sejamos instigados a desejar, consumir e depois descartar, na forma de um ciclo intermitente, objetos e experiências.

O último termo diz respeito à teoria política de Jeremy Bentham. Em suma, o utilitarismo diz, nas palavras de Bobbio:

“(...) se devem existir limites ao poder dos governantes, eles não derivam da
pressuposição extravagante de inexistentes e de modo algum demonstráveis
direitos naturais do homem, mas da consideração objetiva de que os homens
desejam o prazer e rejeitam a dor, e em consequência a melhor sociedade é a que
consegue obter o máximo de felicidade para o maior número de seus componentes
(...)”³


Essa filosofia coaduna-se com a constatação de Anthony Giddens, pois o individualismo encontra consistência teórica no utilitarismo para argumentar contra regulamentações que venham mitigar o exercício de suas liberdades.

Andando juntos, individualismo e utilitarismo produzem um terreno fecundo para o crescimento e aceitação de uma economia neoliberal frente ao encontro dessa parceria com a pressão consumista da sociedade.
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1 GIDDENS, Anthony. 2005, p. 45.
2 BAUMAN, Zygmunt. 2008, p. 41.
3 BOBBIO, Norberto. 2005, p.63.



REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS:

BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 2005.

GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia, 5ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2005.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Aproveite a vida

Essa mensagem faz meu estômago começar a embrulhar apenas por imaginar o que vem a seguir.
Quem nunca ouviu um "quero aproveitar a vida antes d'eu morrer". Depois do quê? Esse pensamento enfrenta, além do óbvio clichê, alguns problemas lógicos:
1) Se você não acredita em vida após a morte, não há com o que se arrepender. Se depois da morte só existe o nada-eterno, que consciência terá você, reles mortal, para querer arrepender-se de alguma coisa não feita em vida?
2) Se você acredita em vida após a morte, tudo depende também se você: a), não segue um dogma religioso; ou b), segue um dogma religioso.
2.a) Caso você não siga algum tipo de dogma religioso (também conhecido como "lista de desafios para entrar no clube"), não há muito o que discutir aqui. Afinal, a contra-argumentação dependeria das peculiaridades dos diferentes dogmas.
2.b) É aqui que entra a maioria das pessoas que usa a temida em negrito. Se você acredita nos dogmas cristãos, acho que deveria estar mais ocupado em fazer coisas para poder "entrar na festa" do que aquilo que poderás te arrepender depois. Além disso, os dogmas cristãos pregam que não haveria maior satisfação do que conseguir ser convidado a entrar na lista, fato que derruba qualquer possível arrependimento de algo não feito.
De qualquer forma, a comentada frase é digna dessas filosofias que tentam nos empurrar goela abaixo na TV e por outras mídias. Conseguiram inclusive deturpar o significado real do termo Carpe Diem.
Carpe Diem tem mais a ver com a observação do cotidiano, a indagação e a filosofia do que vida acelerada, badalação e inconsequência. Nota-se, dessa forma, a inversão do sentido. Entretanto, isso já ideia para outro post.